Dia para a Recusa da Miséria
Em 17 de Outubro de 2007 em todo o mundo
Paralelamente aos eventos internacionais que se desenrolam em Paris, na Praça dos Direitos Humanos e da Liberdade, e também na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, inúmeras iniciativas locais e nacionais reúnem milhares de pessoas em muitos outros lugares.
«Queremos ser agentes de mudança. Hoje é a primeira etapa. Viemos aqui para ouvir os pobres.»
17 de Outubro de 2007, 10 horas da manhã: Vindas a pé, de autocarro, de comboio, pessoas de todos os horizontes convergem para a Praça dos Direitos Humanos, em Paris, França. No mesmo momento, por esse mundo fora, há também pessoas que se põem a caminho para se encontrarem com populações profundamente marcadas pela miséria e pela exclusão. Em Nairobi, no Quénia, Ragot O. conta-nos que, durante uma visita feita a uma favela, os habitantes falaram sobre a saúde, as condições de vida e o desemprego. A noroeste de Nairobi, Catherine K. começa o dia em Njoro com os Ogiek, um grupo indígena de quem ela gosta muito e com quem ela já viveu e trabalhou.
Ao mesmo tempo, do outro lado do continente, há jovens que limpam o mato dos caminhos que levam às aldeias de Ekwankrom e de Jukwa, no Gana, assim como as zonas limítrofes. Alguns membros da “Fundação Trinity para os cuidados de saúde e outras necessidades”, irão até lá para visitar e entrevistar os habitantes nas suas próprias casas, nas escolas e no posto de saúde, para se porem ao par dos problemas da população e daquilo que ela tenta fazer para os resolver.
A organização “Três Refeições por Dia” escuta também atentamente os membros da comunidade Kok, na Nigéria. É o fundador da organização, Emmanuel E., que conta: «A nossa missão não se resume a despertar as consciências para o flagelo a que chamamos pobreza. Temos também que dar força aos pobres para que eles se tornem independentes e dêem um sentido às suas vidas. Transformámo-nos voluntariamente em agentes de mudança para que a vida dos pobres melhore. Rejeitamos firmemente as condições que fazem com que milhões de pessoas se resignem à pobreza e deixem de acreditar na possibilidade duma mudança. Hoje, ao irmos ao encontro da comunidade Kok, seguimos uma estratégia que parte da base, e segundo a qual as pessoas que vivem na pobreza se sentem livres de falar connosco e de nos dizerem de que ajudas necessitam para que as suas vidas tenham sentido. Hoje foi a primeira etapa. Viemos aqui para as ouvirmos.»
Regressemos a Paris, onde, no mesmo momento, 120 pessoas se reúnem na Câmara Central da cidade. Tendo sido convidadas por Bertrand Delanoé, Presidente da Câmara, e por Eugen Brand, Delegado Geral de ATD Quarto Mundo, essas pessoas são representantes das 31 aldeias e cidades do mundo onde há uma réplica de Laje em homenagem às vítimas da miséria. Os autarcas estão assim lado a lado com pessoas que vivem na extrema pobreza e com representantes de associações. Tendo sido preparado em vários lugares diferentes, este encontro intitulado “Compromissos confirmados, compromissos vividos” é animado por Claire Hédon, jornalista de Rádio França Internacional.
Raul Detona, delegado das Filipinas, que viveu durante muito tempo com a família debaixo duma ponte diz: «Eu ignorava os direitos que tinha como cidadão. Quando o lugar onde eu morava (a ponte) foi demolido, eu não sabia nada sobre as leis das demolições. Só sabia que, se ali vivíamos, a culpa era nossa.» Mas hoje é ele que organiza fóruns e participa em reuniões: «Tento encorajar os outros a erguerem a cabeça e a defenderem o seu direito a um alojamento e a uma vida decentes.»
O Presidente da Câmara de Manila, Fred Lim, para concluir a mensagem dirigida aos participantes deste encontro, afirma: «Precisamos dos esforços coordenados de todos, não só para erradicar a pobreza, mas também para nos erguermos ao lado dos mais pobres.»
Neste dia 17 de Outubro de 2007, foram inauguradas réplicas da Laje em Kielce (Polónia), Coirico (Bolívia), Libourne (França), Reims (França) e em Moncton (Canadá).
Criação e expressão artísticas : caminhos para uma mudança
12 Horas: A poucos quilómetros da Câmara de Paris, a Praça dos Direitos Humanos é um formigueiro humano. Um atelier de bordados animado pelos delegados de Madagáscar atrai numerosos visitantes e, ao mesmo tempo, crianças e adultos afluem para os variados ateliers de pintura e de expressão teatral. Os jovens que participaram nas Caravanas Europeias da Fraternidade acolhem os visitantes com música, fotos e testemunhos trazidos da sua viagem pela Europa, ao encontro daqueles que se empenham para erradicar a miséria.
À mesma hora, nos Camarões, “Crianças para a paz” participam numa exposição de obras realizadas por órfãos em Yaoundé. 7000 quilómetros mais longe, as crianças do centro “Purnodaya” de Sri Lanka, manejam pincéis para ilustrarem o tema “Vençamos a miséria unindo-nos”. O que elas pintam é inspirado pela vida de famílias que vivem debaixo duma ponte que passa por cima duma auto-estrada, pela vida de crianças que vivem na rua, pela vida de famílias pobres que vivem à chuva. A peça de teatro e as canções cantadas pelas crianças marcam o encerramento da festa.
Em Munique, na Alemanha, uma exposição de fotografia presta homenagem a pessoas que vivem em condições de precariedade e que se investiram num projecto para ajudar outras ainda mais desfavorecidas (ver artigo). Em Tema, no Gana, juntaram-se várias escolas para criarem danças e realizarem recitais de poesias feitas pelos alunos. Na Palestina, um filme, realizado por Nouraldine S. e outros, representa crianças vivendo em condições muito difíceis; o seu objectivo é alimentar uma troca de ideias entre alunos e professores sobre o significado da Jornada Mundial.
Em Portugal, músicas brasileiras, árabes e russas transbordam duma estação de metro no Porto ; os portuenses descem à estação para pintarem em conjunto 30 telas de 10 metros cada uma e assim criarem um símbolo da união entre os povos, da igualdade entre todos, e do direito a uma vida sem discriminações. A associação “Espaço T”, uma associação de apoio à integração social e comunitária, organizadora do evento, enviou depois pedaços das telas pintadas a entidades oficiais de vários países e a representantes das Nações Unidas e da União Europeia explicando a mensagem neles contida. E enquanto estes pedaços de tela vão levando a sua mensagem, outros pedaços de pano se vão juntando nos Appalaches da Virgínia, nos Estados Unidos, para criarem “O patchwork das nossas vidas”. Exposto no centro de idosos de Clinchco, o patchwork retraça a vida e a luta dos habitantes da região.
Direitos económicos, sociais e culturais : lançamendo do debate
14 horas: O auditório que fica ao lado da Praça dos Direitos Humanos abarrota de gente. O debate “Viver juntos” atraiu pessoas sem-abrigo , famílias mal alojadas, autarcas e simples cidadãos interessados. Ao mesmo tempo, em Israel há mesas redondas que abordam as questões do alojamento, do trabalho, das relações entre os serviços sociais e os seus clientes, e a visão da imprensa económica sobre a pobreza (ver artigo). No Benin há estudantes que se activam para animar um debate por eles organizado no centro “Os amigos de D. Bosco” sobre o tema “A instrução para impedir a passagem à miséria” ; nesse mesmo dia eles inauguram uma biblioteca.
Na Costa do Marfim, desenrola-se um simpósio organizado pela Liga dos Direitos Humanos (LIDHO) sobre: “Quais os direitos dos pobres na Costa do Marfim?” (ver artigo). Esta opção de sublinhar os direitos económicos, sociais e culturais também interpela outras pessoas noutros lugares do mundo. Assim, a “Acção em favor dos direitos sociais”, em colaboração com as Nações Unidas, na Serra Leoa, acolhe uma emissão radiofónica consagrada a esses mesmos direitos. Um responsável das questões políticas da ONU intervém: “A paz não se define como sendo unicamente o fim da guerra, mas como sendo também o fim das injustiças entre os povos a fim de criar um contexto viável para uma vida digna. (…) Se quisermos erradicar a pobreza, precisamos de consolidar a paz.”
«Manifestemos a vontade política necessária para que o flagelo da pobreza desapareça para sempre»
16 horas: Em Nova Iorque, nos Estados Unidos, os delegados ATD preparam-se para o encontro com o Secretário-geral da ONU, S.E. Ban Ki-moon, para lhe entregarem as assinaturas da Declaração de Solidariedade juntamente com um conjunto de propostas políticas; contactam, uma última vez, os responsáveis da campanha que estão na Praça dos Direitos Humanos em Paris, pois há inúmeras assinaturas que chegaram à última hora e é importante que elas sejam incluídas na lista.
No México, Oliver A. começou o dia, distribuindo exemplares da Declaração de Solidariedade. Numerosos amigos na Tailândia, no Uganda, no Brasil, no Líbano, na Argentina, na Turquia, no Paquistão, na Irlanda, na Holanda, na Argélia, e em muitos outros países, arranjaram-se para fotocopiar ou imprimir a declaração, para a distribuir e para a fazer assinar por dezenas, centenas e até milhares de pessoas, e para as enviar ao centro internacional – tendo tido muitas vezes que pagar um preço elevado para que os correios as encaminhassem a tempo. Os delegados, em Nova Iorque pensam em tudo isto ao entregarem a Ban Ki-moon as assinaturas recolhidas e que representam indivíduos, colectividades, sindicatos e associações… A diversidade de rostos e de vidas reflectida por estas assinaturas, a firmeza das convicções, a projecção do empenho na erradicação da extrema pobreza, são impressionantes.
Os delegados acolhidos nas Nações Unidas em Nova Iorque não são os únicos a lembrarem às instituições internacionais e aos poderes locais e nacionais a sua responsabilidade, paralelamente à da sociedade civil, na erradicação da extrema pobreza. Na Malásia, a “Fundação Mundial da Juventude” lança uma semana de campanha sobre a reforma das instituições internacionais centrada na erradicação da pobreza. No Libéria, a associação “Jovens ao serviço do desenvolvimento da população”, implicada activamente na campanha “Todos de pé”, tem um encontro com os responsáveis do FMI e do Banco Mundial presentes no país, e envia mensagens ao Presidente e à Câmara dos Deputados, encorajando a vontade política de atingir os Objectivos do Desenvolvimento para o Milénio a fim de erradicar a pobreza. No Malawi, membros do “Youth Net & Counseling” enviam mensagens com os telemóveis a membros do Parlamento, a Ministros, a líderes públicos e a particulares «pedindo uma acção contra o actual nível de vida de mais de 42% dos habitantes do Malawi». Em França, na Bélgica – e em muitos outros países – há delegados que apresentam aos mais altos responsáveis do país as assinaturas recolhidas, acompanhadas de propostas políticas.
Na Etiópia e na Índia, há crianças que desfilam, exibindo orgulhosamente cartazes onde se podem ler frases como «Nós podemos acabar com a pobreza» e explicando o seu significado a todos os que encontram. Paralelamente, em numerosas localidades, há jovens e adultos activamente empenhados na campanha “Todos de pé”.
A mensagem do Secretário-geral das Nações Unidas sobre o 17 de Outubro sublinha a importância de todas estas acções: «…Devemos considerar os pobres como agentes de mudança. (…) Isto quer dizer que todos os cidadãos devem participar activamente na elaboração de políticas e que os governos devem responder perante esses cidadãos sobre aquilo que fazem para atingir os Objectivos do Milénio. (…) Hoje, nós unimos as nossas forças às forças dos mais pobres, num esforço colectivo em que participam a sociedade civil, o sector privado e pessoas do mundo inteiro. (…) Nesta vigésima Jornada Internacional para a Erradicação da Pobreza, ergamo-nos e manifestemos a vontade política necessária para que o flagelo da pobreza desapareça para sempre.»
E para concluir, imaginem Gilles B. e os jovens que com ele trabalham na Costa do Marfim: «Usamos as fitas à vez. Cada um de nós a usa durante dois dias, passando-a depois para outro, para que a mensagem circule». Noutro lugar do mesmo país, Mamadou D. explica: «Tive a ideia de fazer com que os jovens de Rotaract e outros jovens do meu país usassem a fita contra a miséria, assim como eles usam a fita vermelha contra o sida. (…) Todos os meios são bons para lutar contra a miséria.»
Uma óptima ideia para o 17 de Outubro de 2008!
Os dessenhos são de Hélène Perdereau