Carta aos amigos do mundo – FEVEREIRO de 2016 – N° 93
« Para que ninguém se sinta abandonado! »
Sob o céu incrivelmente azul daquele 17 de Outubro de 1987, o Padre Joseph Wresinski clamava o seu testemunho sobre os “pobres de todos os tempos, fugindo de terra em terra, desprezados e rejeitados….”.
Quem são eles atualmente, esses “milhões e milhões de crianças, de mulheres e de pais” ? Agora e sempre obrigados a partir, à procura dum canto onde viver, caminhando durante semanas, durante meses, levando como única riqueza o pouco que podem transportar, geralmente os próprios filhos; Proibidos de entrar, mas tentando abrir as barreiras, e interpelando assim a humanidade que em nós reside, pondo em questão aquilo que tentamos realizar em conjunto;
Condenados a viver em lugares recuados: centros e campos “provisórios”, asilos, quarteis abandonados, alojamentos arruinados, relegados, como sempre foi o caso dos sem abrigo, para as zonas mais insalubres das nossas cidades, para as margens enlameadas dos rios, quase para dentro das florestas, longe da vista, longe das consciências, dependendo de uma generosidade que quase sempre se esquece das promessas que fez.
Quem são eles atualmente, esses “milhões e milhões de crianças, de mulheres e de pais, cujos corações batem ainda com a força de quem quer ainda lutar”? É por exemplo aquela mãe de família de Madagáscar que viveu anos e anos debaixo de um plástico onde nem se podia pôr de pé e que, numa das nossas reuniões, levantou a mão e disse: “Sobretudo, não se esqueçam de que há ainda pessoas sozinhas e que não nos conhecem. É por causa delas que aqui estamos todos juntos”.
São aqueles pais e aquelas mães do Reino Unido, sistematicamente
insultados, inclusivamente nas paredes, nos muros e nos mídia, tratados de “aproveitadores”, considerados como gente “a mais”… E no entanto, são eles que no seu bairro apoiam outros completamente esquecidos, defendendo assim os direitos humanos para todos.
São aqueles jovens da República Centro-Africana que viram a violência abater-se sobre as suas famílias. Que resistiram ao ódio e à vingança e que foram ter ao aeroporto para ajudar milhares de crianças que ali estavam, longe da escola, e para lhes levar instrução e beleza: a bagagem de que elas precisavam para voltar a ter paz. São eles que agora animam bibliotecas de rua nos povoados mais abandonados.
Quem são eles atualmente, esses “milhões e milhões de crianças, de mulheres e de pais, cuja coragem conquistou o direito à inestimável dignidade”? São aquelas famílias dum bairro de Beirute, no Líbano, onde são acolhidos milhares de refugiados, sobretudo Sírios. E toda essa gente que chega faz com que suas vidas se compliquem ainda mais. Essas famílias que já tinham tanta dificuldade em arranjar um lugar na escola para os filhos, são elas que dizem: “Já estivemos tão desesperados como eles, já passamos noites sem dormir como
eles. Não podemos fechar-lhes a porta na cara. Embora seja difícil, temos que tentar viver com eles”.
“Pois eu gostaria de ser embaixadora do Quarto Mundo”, diz-nos uma mulher da Eritreia, acolhida por membros do Movimento em Londres, lembrando-nos que, se nós nos juntamos, é porque queremos que, nem aqui, nem em lugar nenhum, nenhum ser humano seja posto de lado, que ninguém se sinta abandonado. A verdade é que nos juntamos para aprender com todos aqueles que, graças aos seus sofrimentos e às suas esperanças, só desejam o progresso do mundo. É juntamente com eles que poderemos alcançar a paz de que o mundo tanto precisa pois, ultrapassando a amargura, eles mergulham as raízes da sua esperança e vão buscar a sua força à fonte da fraternidade.
Isabelle Perrin, Delegada Geral
do Movimento Internacional ATD Quarto Mundo