Um pouco de história
« A miséria não é obra do destino. É obra dos homens e só os homens a podem destruir. » Padre Joseph Wresinski
O Movimento ATD Quarto Mundo põe em obra e dá seguimento à maneira de pensar, à atitude de compromisso a ter na luta contra a miséria iniciadas pelo Padre Joseph Wresinski, seu fundador, ele mesmo nascido no seio de uma família muito pobre.
Assim sua maneira de reflectir e de agir ficou marcada pela experiência de humilhações e de vergonha que conheceu, quando menino, junto de sua mãe e irmãos. Aí, seu pensamento começou a ser moldado por um profundo conhecimento da maneira como os mais pobres resistem, no dia-a-dia, para garantirem a sua dignidade.
Em 1956, o Padre Joseph Wresinski foi ao encontro de 252 famílias agrupadas num bairro de lata, em Noisy-le-Grand, perto de Paris. Deste modo, ele, que já tinha encontrado a possibilidade de sair do mundo da miséria , decidiu empenhar-se junto das famílias mais pobres, noite e dia, guardando-lhes uma fidelidade sem falhas.
«Fiquei possuído pela ideia de que estas famílias nunca sairiam da miséria enquanto não fossem acolhidas no seu conjunto, como um povo nos sítios, onde os outros homens se debatem e tomam decisões. Prometi que se ficasse junto delas, faria tudo, para que estas famílias pudessem subir os degraus do Vaticano, do Eliseu, da ONU…»
Uma vez em Noisy-le-Grand, opõe-se à sopa dos pobres e propõe às famílias um jardim-escola e uma biblioteca.
«Não era tanto de alimentos ou de roupas de que necessitavam, mas sim de dignidade, de nunca mais dependerem do que queriam ou não queriam os outros.»
Uma capela, um ateliê para jovens e adultos, uma lavandaria, assim como um salão de beleza para as mulheres vão ser realizados.
Com estas famílias da miséria o Padre Joseph cria uma associação que toma por nome ‘‘Aide à Toute Détresse’’ (ATD); o que significa ajuda em toda a desgraça, em toda a situação de aflição, de sofrimento. Mais tarde, o nome da associação evoluiu para ATD Quarto Mundo, tendo a noção de Quarto Mundo sido inspirada pela acção de Dufourny de Villiers que sendo deputado por Paris se bateu em 1789, nas vésperas da Revolução Francesa, para que os mais pobres de então tivessem uma representação nas Cortes convocadas pelo rei; pediu que, para além das três ordens representativas (Clero, Nobreza e o 3° estado), uma Quarta Ordem fosse reconhecida: «A Ordem dos pobres jornaleiros, dos enfermos, dos indigentes, a ordem sagrada dos infortunados.»
Assim, o Padre Joseph Wresinski achou por bem chamar Quarto Mundo ao povo dos que se encontram condenados a viver fora da cidadania, como se estivessem fora do direito de fazerem parte da humanidade e de contribuirem para o bem comum.
Quarto Mundo é um nome portador de esperança e de dignidade.
À senhora Alwine de Vos Steenwijk, diplomata holandesa, vinda ao seu encontro e que acabou por ficar, propõe como resposta: «Aquilo de que nós precisamos é de estudos! Precisamos de um instituto de pesquisa para cortar o mal pela raiz e para pôr a funcionar uma política! É disto que precisamos.»
Com a ajuda desta senhora, lança o [Instituto de Investigação e de Formação em Relações Humanas que arranca com a organização de um primeiro colóquio na UNICEF em 1961. Aí, os membros deste instituto provam e mostram que uma camada da população dos países industrializados, apesar do desenvolvimento económico, se encontra na extrema pobreza.
A pouco e pouco, o padre Joseph cria e desenvolve uma rede de troca de informações, de experiências com pessoas e organismos isolados, empenhados através do mundo junto de famílias em situação de grande pobreza. Assim nasce o Fórum Permanente denominado ‘‘Extrema pobreza no mundo’’.
Mas, frente à situação de desolação em que viviam as famílias daquele bairro-de-lata, como seres banidos da cidade dos homens, frente às respostas apressadas da sociedade, que nunca eram acompanhadas por verdadeiras soluções, foi levantada a questão de um empenho a longo prazo. Então, homens e mulheres vindos de todos os quadrantes sociais, culturais, filosóficos e religiosos decidiram comprometer-se duravelmente. Deste modo nasceu o Voluntariado Permanente para, em conjunto com os mais pobres, propor um novo projecto de sociedade.
Em 1966, com os primeiros voluntários, redige as Opções de Base da associação. «Todo o homem traz nele um valor inalienável que faz a sua dignidade de homem.»
No seio da associação, as famílias mais desfavorecidas continuam a estar na origem de novas iniciativas, manifestando publicamente a vontade do povo do Quarto Mundo de se afirmar, de ser ouvido e de ser útil à sociedade. «Por toda a parte, onde houver sofrimento e miséria, o Quarto Mundo deve estar presente.»
Levadas por este apelo, várias equipas se implantam através do mundo, dando resposta às solicitações vindas da parte de amigos ou de instituições em diferentes países.
Em França, no dia 11 de Fevereiro de 1987, o Conselho Económico e Social vota, na Assembleia Nacional, o relatório ‘‘Grande pobreza e precariedade económica e social’’ apresentado pelo Padre Joseph Wresinski. Pela primeira vez, um plano ‘‘global, coerente e prospectivo’’ de luta contra a extrema pobreza é apresentado em França. A miséria é reconhecida como uma violação dos Direitos Humanos e é proclamado que não é possível suprimir a grande pobreza sem associar, uma vez por todas, os mais pobres como parceiros.
Este documento encontrou um largo acolhimento em numerosos países da Europa, asssim como nas instâncias internacionais.
No dia 17 de Outubro de 1987, no Terreiro das Liberdades, dos Direitos do Homem e do Cidadão, em Paris, respondendo ao apelo lançado pelo Movimento ATD Quarto Mundo, cem mil pessoas exprimiram a necessidade de se unirem para fazerem respeitar os Direitos do Homem. Nesse dia uma LAJE, afirmando esta mensagem, foi inaugurada, no local onde foi assinada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a 10 de Dezembro de 1948.
Este grande encontro de cidadãos está na origem da Resolução das Nações Unidas de 22 de Dezembro de 1992 que institui e reconhece o Dia 17 de Outubro como Jornada Mundial para a Erradicação da Pobreza.
Uma réplica da Laje de Paris foi inaugurada a 17 de Outubro de 1994 em Lisboa; encontra-se na calçada da Rua Augusta, junto ao Arco. Em 1991, o Movimento ATD Quarto Mundo, encontrando-se presente em mais de 100 países, teve acesso ao estatuto consultativo número 1 do ECOSOC, junto da Organização das Nações Unidas.
Este reconhecimento traz consigo uma responsabilidade particular : a de ser a voz dos mais pobres no seio desta organização internacional.